A DAY IN THE LIFE OF GOOD FIELD
A menina, que comia seu pão com
nata proporcionando poucas migalhas aleatoriamente no chão daquela praça, mal
sabia que animava a manhã de sábado de algumas pombas. Para ela, futura
veterinária da cidade de Good Field, era bom apenas poder alimentar os
pequeninos, uma vez que permanecer naquela cidade não poderia ser sinal maior
de agouro.
Havia um cobertor perdido na
paisagem da praça do centro da cidade. Pertencia a João Idor, que carregava uma
garrafinha da caninha 71 sempre no lado esquerdo do peito. Nenhum dos
personagens ilustres sabia que ali estavam unicamente para presenciar a queda
última de Barnes Wendell, nômade argentino, professor de português de Portugal
na Universidade de Rosário e de residência fixa próxima a região da Patagônia.
Naquela manhã cinza nada dera
certo para Wendell; primeiro, tentou trocar sua grana pela moeda nacional em vigor. Foi gentil para
com o cambiador, mas nem por isso ficou sem ser gateado em metade da grana que carregava. Sentou em um café de
esquina e logo descobriu que só poderia pagar meio café, e sem açúcar. Parecia
ter o tempo todo à sua disposição, caminhava devagar, um passo por vez, até parar,
erguer o sapato e se deparar com um conteúdo sólido mas nem tanto. Provavelmente efeito de alguma pomba que havia tido
milho no café da manhã. Isso tampouco afetaria seu humor; tinha tempo, queria
conhecer lugares e pessoas. Primeiramente perguntara onde estava, pois nem
disto tinha conhecimento. A voz não lhe parecia encorajadora:
-Tu tá no centro de Good Field.
Não acreditara no sujeito, tinha
comprado passagem até Araricá. Como diabos havia parado em Good Field?? E,
antes de tudo, como sair o mais rápido dali??
Alguém, aparentemente, ouviu as
lamúrias em voz alta do estrangeiro e respondeu:
-Pega um Boozoom ( ônibus ) até Araricá, pô!
-Obrigado.
-Antes, tu não queres conhecer o pingolão?
-O quê???
-Calma...é o apelido carinhoso de
nosso ginásio municipal, quem inaugurou foi a Camisa de Vênus.
-E você é guia turístico de Good
Field?
-Não, é que aqui nada se tem para
fazer, então a gente decora os lugares com nomes divertidos. Por exemplo, ali
mora o nosso P. Lé.
-Mas ali não é o rio?
-Eu tava apontando para a
ponte...e sim, uma vez foi um rio.
-Ahh..ali mora o P.Lé de vocês???
-Sim, é que ele bebeu um pouco
demais, sabe...
-E daí ele não se lembra onde
mora?
-Ele lembra onde mora! É ali na
ponte. Tanto é que por mais que ele beba, acaba voltando para a ponte. É seu
lar.
-Esquisito...mas onde é a
rodoviária?
-Depois da ponte. E cuide para
não ir ao banheiro de lá. O pessoal não costuma puxar a cordinha e...
-Nossa, mas você tá antenado em
tudo nesta cidade.
-Já falei que nada há para fazer!
-Mas eu já ouvi falar do
Valternativo..
-O Valternativo???
-É, não é um lugar legal?
-O Valternativo???
-É, pô!!
-Sabe o que disse à respeito do
banheiro da rodoviária?
-Sim, sim. É o mesmo caso?
-Não, lá não tem nem cordinha.
-Oh, cruz credo! Vou-me para
Araricá é agora.
-Não vai se arrepender.
E assim, com uma expressão de
quem pisou em estrume quentinho, o pinta comprou a “famosa” passagem para
Araricá, aqueles eram seus últimos vinte minutos em Good Field. Estava
já antevendo sua entrada no boozoom,
o sorriso de quem se vai de Good Field. Pediu uma ceva , estava quente. Comprou
um sanduíche, estava gelado e o plástico do queijo foi esquecido dentro de um
ovo de procedência duvidosa. Mordeu uma vez o sanduíche e o jogou na lata de
lixo mais próxima, destino igual àquela ceva que, no segundo gole já repugnava
o forasteiro:
-Maldita cidade! O que mais falta
acontecer???
Nisto, uma moça que trabalhava na
rodoviária veio para lhe dar a” boa” notícia:
-Moço, o boozoom para Araricá quebrou e vai demorar para ser consertado. É
provável que só amanhã de manhã.
Agradeceu e pediu um café para a
moça. O café apareceu muuito quente e ele acabou derramando o líquido na
própria calça. Pediu ajuda para alguns convivas que também aguardavam o tal boozoom na rodoviária. Apenas riram do
pinta. Viu que estava só, numa cidade cruel e sem cordinha.
-Putz, tô até falando sozinho!!!
Wendell
já estava pronunciando ao vento palavras cujo significado não tinha sentido se
inserido naquele contexto.
-Sou
pérola negra, descendente de alemão que só come pizza e bebe scotch...tô
ficando louco nesta cidade.
-O
senhor está falando comigo?
-Não,
desculpe. É que eu tô sozinho na cidade e emelecado
de café. Por acaso existem hotéis baratos por aqui?
-Hotéis
baratos??? Não, mas temos baratas no
hotel.
-Não creio que seja a mesma coisa.
Decidira ir dormir no barraco de P.Lé, até sendo bem recebido, mas não
pôde pagar as vinte latas de ceva que P.Lé exigia para deixá-lo dormir.
-Sem
cevas, P.Lé dorme sozinho!
-Mas eu
não tenho mais grana...
-Sem
ceva, P.Lé dorme sozinho!
-Tudo
bem..tomara você nunca passar por tal situação!
-Sem
ceva, P.Lé dorme sozinho!
-Tá bom, tá bom..Já tô me indo..
-Mas não tem nem uma ceva pro
P.Lé?
-“Descurpa”, P.Lé!
Tava ruim pra malandro em Good Field. Wendell
se via preso naquela localidade. Nem seu walk-man
tocando incessantemente Uriah Heep tava fazendo efeito mais:
-Merda de fones, comprei faz
quinze minutos e já não funciona. Maldito 1,99 da Concepción!!
Era noite cerrada e nem idéia de
onde dormir, nem se dava pra dormir numa cidade daquelas. Caminhava por lugares
que normalmente não se vê gente caminhando, quando apareceu em seu foco de
visão três moças tentando se esconder mato adentro. Achou estranho e resolveu,
na cara dura, puxar conversa com as referidas. E que referidas!!!
-Vocês são de Good Field?
-Somos.
-O que fazem aqui?
-Tâmo aqui numa boa, sabe?
-Ahhh...
-E você?
-Eu tô aqui contrariado.
-Por quê?
-Perdi o boozoom para Araricá.
-Acredite: é melhor ficar aqui do
que ir pra Araricá.
-Me disseram bem o contrário.
-Como é?
-Que Araricá era anos-luz melhor
que Good Field.
-Não podemos mentir, é mesmo!
-Então, por que disseram que aqui
era melhor?
-Pra puxar conversa, sei lá...
-Já vi que vocês estão muuito numa boa até pra conversar.
-E tu, pelo jeito, não gosta de
conversar com três mulheres no mato.
-Até gosto, mas é que tô
procurando lugar pra ficar esta noite e...
-Pode ficar conosco. Nós
dividimos um apê aí..
-Bom, acho que eu também posso
ficar numa boa...
-Ihhh, acabou nosso fazedor de
ficar numa boa.
O cara se enturmou com as três e
foram todos dormir no mesmo apê. Foram improvisadas camas nos sofás e,
aparentemente, só dormiram mesmo.
-Muito obrigado moças, foi muito
legal dormir com vocês três, apesar de uma de vocês roncar valendo!
-Ahh, é Danie. Ela tem um
probleminha nasal.
-Pois eu nunca havia dormido com
três moças antes, vocês são muito boas de cama!
-Nós também gostamos.
-Tá, mas qual é o nome de vocês?
Você eu sei que é a que ronca...porque eu vou pra Araricá e nem sei a graça das
moças com quem dormi. Quero contar pra todo mundo que dormi com três moças e...
-Não sacaneia, cara! Tu sabes que
todos neste apê jogam no mesmo time, queremo é MINA! Nem vem com ar faiado!
-Vocês gostam mesmo de mina??
-Claro, meu!
-Mas que dia esquisito passei em
Good Field!!!
-Nós moramos aqui faz vinte e
quatro anos e treze meses. Dois anos vivemos em Vacaria.
-Bem, lamento pelas três mas meu
boozoom acabou de encostar na rodoviária. O bom é que aqui tudo é pertinho.
-Claro, tá tudo perto do mesmo
cú!
-Putz, vocês curtem minas mesmo!
-Falô aí, teu! Te cuida em Araricá. E se
encontrares a Paulona é bom nem olhar muito!
-Po’deixar...Abraço, e goodbye, Good Field!!!!!!!
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